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Proteção solar e corais



Afinal, protetor solar faz mal para os corais?


Para entender, vamos começar explicando um pouco sobre os protetores solares.


Os ingredientes ativos de protetores solares são divididos em inorgânicos (físicos) e orgânicos (químicos).


Filtros inorgânicos incluem principalmente o dióxido de titânio e óxido de zinco, que refletem e refratam a radiação ultravioleta. Diferentemente, os filtros orgânicos absorvem a radiação.


A oxibenzona (benzofenona 3) e o octinoxato são os princípios ativos de até 80% dos protetores solares químicos. E não apenas nos filtros, eles também estão presentes como fotoestabilizadores em diversos produtos de cuidados pessoal como fragrâncias corporais, produtos de cabelo e skincare, repelentes, cosméticos e sabores artificiais, evitando alterações no cheiro e cor, pela luz.


Com o aumento da consciência da necessidade de prevenção de câncer de pele com protetores solares, estima-se que 14 mil toneladas de fotoprotetores, contendo até 10% de oxibenzona sejam liberados nos recifes de corais a cada ano.


Preocupados que os fotoprotetores estivessem presentes em níveis tóxicos para seus recifes de corais, o estado do Havaí baniu esses dois agentes de fotoprotetores desde 01/01/21.


Há, contudo, uma preocupação de que esse movimento se espalhe pelo globo, levando a um aumento na incidência já extremamente alta de câncer de pele.


Vamos entender qual a influência dos protetores solares na vida marinha?

Quem são os corais?


Os corais são animais de corpo mole que atuam de maneira simbiótica com as algas: as algas vivem sobre os corais, fornecendo-lhes energia através de sua fotossíntese e dando-lhes suas cores vibrantes.


Conforme os corais crescem, eles formam esqueletos arboriformes, criando os recifes. Os recifes foram formados após o último período glacial, tendo cerca de 10 mil anos.


Esses recifes dão suporte a mais de um milhão de espécies de peixes, invertebrados e algas, formando verdadeiros ecossistemas de biodiversidade marinha.


Contudo, elementos químicos presentes no ambiente dos corais são incorporados em seus esqueletos, o que os torna extremamente sensíveis a mudanças na temperatura e no ambiente ao seu redor.


Quando os corais sofrem estresse, como pelo aumento das temperaturas dos oceanos ou poluentes, eles expulsam as algas de sua superfície, ficando brancos, processo conhecido como branqueamento ("bleaching").


Houve um aumento significativo desse processo nos últimos 20 anos. Estima-se que mais da metade dos recifes de corais estejam ameaçados globalmente. O dano ou morte desses recifes tem um efeito dominó negativo em diversas outras formas de vida.


Protetores solares na água


Os corais estão sob risco por diversas causas, sendo o aumento da temperatura dos oceanos sua maior ameaça.


Contudo, há um aumento na preocupação global em relação à toxicidade de fotoprotetores para a vida marinha.


Estudos in vitro, sugerem que os protetores solares orgânicos podem ter tanto efeito tóxico direto sobre os corais, como indireto, através da ativação de vírus de corais, levando a um estresse oxidativo e expulsão das algas simbióticas.


Filtros orgânicos, principalmente a oxibenzona, têm sido identificados em fontes de água ao redor do mundo.


Eles alcançam o ambiente principalmente através da água do banho e, em menor proporção (4%), através da absorção na pele e excreção na urina. Outra fonte importante são as fábricas de protetores solares e cosméticos.


As estações de tratamento de água ao redor do mundo, inclusive no Brasil, identificaram a oxibenzona tanto em água não tratada como na tratada. Isso ocorre porque essas estações são desenhadas para tratar apenas dejetos particulados na água.


Evidências contrárias


É importante salientar que nem todos concordam que os protetores solares estejam envolvidos nos danos aos recifes de corais.


Estudos feitos em diversos países avaliando a concentração de oxibenzona no oceano, mostraram concentrações abaixo ou pouco acima da faixa tóxica para corais.


Além disso, a Associação médica do Havaí e a Coalisão de câncer de pele reforçam a ausência de estudos demonstrando causalidade, e consideram os estudos atuais falhos, por serem conduzidos em ambientes laboratoriais, sob condições artificiais e que não representam o ambiente marinho.


Há ainda os que argumentam que o fotoprotetor é um contribuinte pequeno ao dano aos recifes, quando comparado ao aquecimento global.


Associação vs. Causalidade


Cabe aqui uma pequena ressalva de que a associação entre dois acontecimentos, não implica necessariamente em uma relação causal.


Por exemplo, o fato de que todo dia o sol nasce, e todo dia alguém morre. Não significa que o nascer do sol é diretamente responsável pela morte de alguém.


Cientificamente, para se avaliar a relação causal em uma doença, deve-se respeitar alguns critérios, como a relação temporal entre os dois fatores, a plausibilidade do que se propõe, a consistência de diversos estudos encontrando resultados similares, a força dessa relação, a relação dose-resposta, a reversibilidade da consequência com a remoção da causa e o desenho dos estudos.


Protetor solar e a cadeia alimentar


Outra preocupação existente envolve seu possível efeito sobre taxas hormonais e reprodutivas de peixes.


As concentrações de filtros orgânicos encontrados em peixes são baixas, mas deve-se levar em conta os conceitos de bioacúmulo e biomagnificação.


Bioacúmulo descreve o fenômeno no qual produtos químicos atingem uma maior concentração dentro dos organismos do que no ambiente no qual eles vivem, ao longo do tempo, devido ao acúmulo dessas substâncias.


Biomagnificação refere-se ao conceito de que químicos se tornam mais concentrados e prejudiciais conforme o organismo que os ingere situa-se mais alto na cadeia alimentar.


Os químicos não são removidos ou destruídos por organismos na parte inferior da cadeia. Assim, conforme ingerem esses organismos, os animais mais altos na cadeia alimentar adquirem uma concentração maior do químico.


É possível que isso implique negativamente em humanos, que ingerem frutos do mar. Contudo, até agora, nenhum evento adverso em humanos foi reportado.


E para humanos? Pode ser tóxico?


Apesar de terem sido relatadas alterações hormonais em estudos in vitro em animais, estudos em humanos, mesmo com aplicação corporal de filtros orgânicos, não revelou alterações significativas.


A taxa de absorção sistêmica de oxibenzona, varia de 2% a 10% dependendo dos estudos, sendo esse filtro o de maior absorção na pele dentre os filtros orgânicos.


Contudo, não há nenhum relato de efeitos tóxicos em humanos desde o início de seu uso em 1978. Um modelo matemático estimou que levaria entre 35 a 277 anos de aplicação diária desse composto para alcançar os níveis sanguíneos tóxicos equivalentes aos encontrados em modelos de ratos.


Como minimizar o impacto ambiental do protetor solar?


Para minimizar os danos aos recifes de corais, podemos tentar usar protetores solares exclusivamente físicos, como aqueles contendo óxido de ferro, ou dióxido de titânio.


Outra medida seria evitar usar protetores solares com FPS muito alto, que contêm maior quantidade de filtros químicos, com pouco ganho em fotoproteção, e tentar usar protetores solares com fator de proteção mais baixo (mas sempre 30+) e aplicá-los com maior frequência.


Por último, uma boa dica é aproveitar outras medidas para se proteger do sol, como uso de roupas com proteção solar no tecido, ficar em região de sombras e usar chapéus, para diminuir a necessidade de aplicação do protetor solar.


Como curiosidade, meios para otimizar a remoção desses produtos de filtros químicos no fornecimento de água tem sido explorados, como o uso de uma planta aquática chamando Cyperus Alternifolius L, que absorve e oxibenzona na sua raiz e a acumula em seus sistema, convertendo-a em um composto com menor toxicidade. Lembrando que a mesma teria que ser extraída do ambiente antes de ser decomposta.



Referências:


Raffa RB, Pergolizzi JV Jr, Taylor R Jr, Kitzen JM; NEMA Research Group. Sunscreen bans: Coral reefs and skin cancer. J Clin Pharm Ther. 2019 Feb;44(1):134-139. doi: 10.1111/jcpt.12778. Epub 2018 Nov 28. PMID: 30484882.


Schneider SL, Lim HW. Review of environmental effects of oxybenzone and other sunscreen active ingredients. J Am Acad Dermatol. 2019 Jan;80(1):266-271. doi: 10.1016/j.jaad.2018.06.033. Epub 2018 Nov 14. PMID: 29981751.


DiNardo JC, Downs CA. Dermatological and environmental toxicological impact of the sunscreen ingredient oxybenzone/benzophenone-3. J Cosmet Dermatol. 2018 Feb;17(1):15-19. doi: 10.1111/jocd.12449. Epub 2017 Oct 31. PMID: 29086472.

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